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Horas de Marcuse com o ‘cinejornal’ de Silvio Tendler

Estadão – Blog P de Pop – Rodrigo Fonseca

Anda meio sem viço a seleta de documentários da Première Brasil 2017, que, em termos de invenção de linguagem se calçou no feérico Iran, de Walter Carvalho, e no caminho da perplexidade reflexiva, brilhou (até agora) com Pastor Cláudio, de Beth Formaggini. Mas na noite de quarta pintou uma surpresa do terreno da Geografia e do bunker da História que recebeu uma ovação em seus momentos finais, acompanhada de gritos de “Bravo!” e de “Fora Temer!”: Dedo na Ferida, de Silvio Tendler. Estamos falando neste caso do único documentarista blockbuster deste país, que nos deu os sucessos de bilheteria Jangoe Anos JK. Há muito (de bom) o que se pensar acerca das frases que ele colhe na discussão do papel cancerígeno do capitalismo e das especulações bancárias. Até Costa-Gavras vem pro papo, falando de democracia. A melhor das frases vem do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos: “O Capital Financeiro é o inimigo de qualquer Justiça”. Num estudo do estado de coisas da Europa atual, sua conterrânea de Península Ibérica, a professora Maria José Fariñas Dulce, bamba em sociologia jurídica ibero-americana, causa tétano ao dizer: “A Grécia não é mais dos gregos, é dos bancos”.  A jornada de um podólogo que vai, dia a dia, de Japeri para Copacabana, num trajeto de 1h44m de conduções ferroviárias, calça a narrativa jogralesca de Tendler, que olha pro mundo a partir do Brasil. Começa a aparecer hoje uma safra de filmes nacionais de respeito agindo assim, tipo o belo Olmo e a Gaivota (2015), de Petra Costa, o inédito No Intenso Agora, de João Moreira Salles, e uma produção de respeito deste Festival do Rio: Yoga: Arquitetura da Paz, de Heitor Dhalia, que tem sessão nesta quinta, no Roxy 2, 13h45.

Mas o que mais impressiona no regresso do mestre do documentário histórico às telas é a habilidade com que ele evoca, em sua arquivística, a tradição formadora do cinejornal, a fonte de informação audiovisual mais popular do mundo pré-televisão. Com seu uso de vinhetas, de animação e de narração (feita pelo poeta e ator Eduardo Tornaghi), Tendlerrecicla um conceito que está na gênese da cultura cinematográfica. Mas seu exercício de cinejornalismo é menos factual e mais reflexivo, funcionando como uma pensata. Triste, mas necessária. O melhor de Tendler em anos. É um exercício de forma (e forma na ética de um conteúdo crítico, tardiamente frankfurtiano). Tendler é o Marcuse de nosso cinema (seu maxismo é o do eros) e este filme (definitivo) é seu O Homem Unidimensional.